quarta-feira, 15 de julho de 2009

Contemplação !


Não acuso.Nem perdôo.
Nada sei. De nada.
Contemplo.

Quando os homens apareceram,
eu não estava presente.
Eu não estava presente,
quando a Terra se desprendeu do Sol.
Eu não estava presente.
Quando o Sol apareceu no céu.
E, antes de haver o céu,
EU NÂO ESTAVA PRESENTE

Como hei de acusar ou perdoar ?
Nada sei.
Contemplo.
Parece que as vezes me falam.
Mas também não tenho certeza.
Quem me deseja ouvir, nestas paragens
onde todos somos estrangeiros ?

Também não sei com segurança, muitas vezes,
da oferta que vai comigo, e em que resulta,
pois o mundo é mágico !
Tocou-se o Lírio, e apareceu um Cavalo Selvagem.
E um anel no dedo pode fazer desabar da lua um temporal.
Já vês que me enterneço e me assusto,
entre as secretas maravilhas.
E não posso medir todos os ângulos de meu gesto.
Noites e noites, estudei devotadamente
nossos mitos, e sua geometria.
Por mais que me procure, antes de tudo ser feito,
eu era amor, Só isso encontro.
Caminho, navego, vôo,
--- sempre amor.

Rio desviado, seta exilada, onda soprada ao contrário,
-- mas sempre o mesmo resultado : direção e êxtase.
à beira dos teus olhos,
por acaso detendo-me,
que acontecimentos serão produzidos
em mim e em ti ?

Não há resposta.
Sabem-se os nascimentos
quando já foram sofridos.

Tão poucos somos, - e tanto causamos,
com tão longos ecos !
Nossas viagens têm cargas ocultas, de desconhecidos vínculos.

Entre o desejo de itinerário, uma lei que nos leva
age invisível e abriga
mais que o itinerário e o desejo.

Que te direi, se me interrogas ?
As nuvens falam ?
Não. As nuvens tocam-se, passam, desmancham-se.
As vezes, pensa-se que demoram, parece que estão paradas.
Confundiram-se.

E até se julga que dentro delas andam estrelas e planetas.
Oh, aparência... Pode talvez andar um tonto pássaro perdido.
Voz sem pouso, no tempo surdo.
Não acuso, nem perdoô.
Que faremos, errantes entre as invenções dos deuses ?

Eu não estava presente, quando formaram a voz tão frágil dos passáros.
Quando as nuvens começaram a existir,
qual de nós estava presente ?

(CECÍLIA MEIRELES)

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