sexta-feira, 25 de setembro de 2009

João e a Lojinha do Amor !


João e a lojinha do Amor
(Foto e Texto de Jorge Azevedo)

João ficou longe de sua cidade por 8 anos. Exatos oito anos completados ontem. Chegando na pracinha não encontrou algumas de suas árvores. Não havia algumas das casas deixadas. Encontrou rostos diferentes nas ruas e cartazes de novas lojas nos edifícios.

João parou o carro em frente a uma lojinha pequena. Lojinha de uma porta. Porta de madeira, com trinco de ferro. Olhou para dentro. Viu os balcões antigos, como vitrines envidraçadas cheias de quinquilharias. Viu o velhinho sentado diante da caixa registradora com o cachimbo entre os lábios. João sorriu da bizarrice da visão.

Olhou em volta. Entre lojas envidraçadas e edifícios modernos, a lojinha de uma porta, pintada de azul, quase espremida pelo progresso e pela avareza.

Lembrou do dia de sua partida. O trem, a fumaça branca, os pais chorando e Ritinha. Lembrou de Ritinha, sua namorada, futura noiva, futura mãe de seus filhos. Oito anos passados. Oito anos!

João olhou o banco traseiro do carro. Cheio de presentes. Caixas e mais caixas embrulhadas com papeis coloridos e estampados. Lembrou das cartas de Ritinha. As promessas, as juras escritas, os sonhos. Ele falava das dificuldades dos primeiros dias. A busca por um emprego. A faculdade, a formatura sem festa. Saiu pobre de sua cidade e voltava dirigindo seu próprio automovel. Voltava com sonhos. Advogado com anel no dedo. Ia montar escritório na cidade, uma forma de representação. Casar com Ritinha, ter filhos.

Entrou na lojinha de uma porta só. O senhor levantou os olhos. Sorriu para João. João sorriu. Saiu quase menino, voltava doutor. Seu Sebastião nem o reconheceu dentro do terno bem cintado, sapato preto de couro alemão, brilhando. A gravata de seda vermelha com listras diagonais amarelas. O anel no dedo. Anel de doutor. Doutor advogado.

João olhou as prateleiras. Não sabia por que entrou na lojinha. O que compraria ali? Foi quando seus olhos viram o vidro na prateleira perto da porta. Pensou em Ritinha. Havia presente melhor para ela, depois de tanto tempo? Ainda mais ele chegando sem avisar para fazer surpresa?

"O que tem naquele vidro de tampa azul?", perguntou.

"Felicidade seu moço, e das boas", respondeu o velho, abafando a brasa do cachimbo com a palma da mão.

"Quero toda".

"Leve só um pouco seu moço. Felicidade rende muito quando bem regada e eu só tenho esse vidro... deixa um pouco para outras pessoas."

Enquanto tirava um pouco de Felicidade do pote e embrulhava, João percorria a lojinha com os olhos.

"E naquele pote colorido, o que tem?"

"Ali eu guardo a verdadeira Amizade... o moço quer um pouco?"

"Quero sim. E nesta caixa cheia de poeira?"

"Isso é Respeito seu moço. Está aí faz tempo, ninguém procura. E não é somente ele que está encalhado. Vê ali adiante? Naquelas caixas cheias de teias de aranha tem Honestidade, Pureza, Fé, Caridade... acho que vou jogar fora, ninguém quer mais."

"Eu quero um punhado de cada. Esse cacho encostado na porta... o que é?"

"Ah, seu moço. Isso é Saudade. Todo dia vendo um bocado. Aqui sempre tem Saudade e Lágrimas..."

"Lágrimas?"

"De todo tipo. Quer levar um pouco? Naquele pote alto tem Lágrimas de Felicidade, esse aqui é de Alegria... olha como é lindo esse... são Lágrimas de Amor. Até pouco tempo eu tinha Lágrimas de Sofrimento, de Desespero, de Dores, mas estas, ninguém compra mais. Elas brotam em cada casa, virou praga, seu moço."

"Esse vidro aí do lado?"

"Isso eu dou de graça, mas mesmo assim poucos levam. É Compreensão. Do lado dele, está vendo? Também tento distribuir, quase ninguém aceita, Generosidade."

"Põe um bocado para mim."

"Esses vidros grandes vendeu muito..."

"Esses aí não esquentam na loja. É chegar e sair. Vê esse vidro maior? Chegou ontem à tarde e já acabou..."

"O que tinha nele?"

"Egoísmo. No outro veio Falsidade. Ali, naquele caixote, ainda hoje estava cheio de Ciúme e Maldade. Eu queria não comprar, mas pedem para ter Vingança. E tenho que ter Vingança de todos os tipos seu moço. O senhor não imagina como estas mercadorias saem..."

"Não quero nenhuma delas... Pode embrulhar o que comprei, vou levar... quanto custa tudo?"

"Ah, seu moço... é pouco. Pague com um punhado de Agradecimento e um pouco de Sorriso e se o senhor me der um pouco de Prosa, lhe dou de presente a embalagem".

Enquanto João dava um pouco de Prosa para o bom velhinho, ele embalava tudo dentro de um enorme Coração. João ia saindo da loja com o Coração cheio de bons presentes quando o velhinho sorrindo lhe deu como lembrança um envelope repleto de Bondade e disse:

"Com a Bondade nas mãos e o Coração cheio de bons presentes a Felicidade há de se multiplicar em sua vida!"

E João entrou no carro sorrindo, sem entender por que as pessoas não entendiam o seu sorriso de felicidade.

Um comentário:

  1. "Menina doce. Como apaixonou-me me ver aqui, entre suas pérolas, um pedra bruta querendo ser lapidada. Envaideceu-me ler-me através de seu espaço. Devo agradecer? Não, não. Um gesto de carinho desse é tão imenso que qualquer tipo de agradecimento se torna pequeno.
    Sabe que admiro voce tanto, tanto... por que será?"
    Jorge Azevedo

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Obrigada, fico feliz em ver você por aqui.