sábado, 23 de janeiro de 2010

Aprendendo !


PERIPATÉTICO

(Max Gehringer)

Numa das empresas em que trabalhei, eu fazia parte de um grupo de
treinadores voluntários.
Éramos coordenados pelo chefe de treinamento, o professor Lima, e
tínhamos até um lema:
"Para poder ensinar, antes é preciso aprender"


(copiado, se bem me recordo, de uma literatura do Senai).
Um dia, nos reunimos para discutir a melhor forma de ministrar um
curso para cerca de 200 funcionários.
Estava claro que o método convencional - botar todo mundo numa sala
- não iria funcionar, já que o professor insistia na necessidade da
interação, impraticável com um público daquele tamanho.
Como sempre acontece nessas reuniões, a imaginação voou longe do
objetivo, até que, lá pelas tantas, uma colega propôs usarmos um
trecho do Sermão da Montanha como tema do evento. E o professor, que
até ali estava meio quieto,
respondeu de primeira. Aliás, pensou alto:
- Jesus era peripatético.
Seguiu-se uma constrangida troca de olhares, mas, antes que o hiato
pudesse ser quebrado por alguém com coragem para retrucar a afronta,
dona Dirce, a
secretária, interrompeu a reunião para dizer que o gerente de RH
precisava falar urgentemente com o professor.


E lá se foi ele, deixando a sala à vontade para conspirar.
- Não sei vocês, mas eu achei esse comentário de extremo mau gosto -
disse a Laura.
- Eu nem diria de mau gosto, Laura. Eu diria ofensivo mesmo -
emendou o Jorge, para acrescentar que estava chocado, no que foi
amparado por um silêncio geral.
- Talvez o professor não queira misturar religião com treinamento.
Mas eu até vejo uma razão para isso - ponderou o Sales, que era o
mais ponderado de todos.
- Que é isso, Sales? Que razão?
- Bom, para mim, é óbvio que ele é ateu.
- Não diga!
- Digo. Quer dizer, é um direito dele.


Mas daí a desrespeitar a religiosidade alheia...
Cheios de fúria, malhamos o professor durante uns dez minutos e,
quando já o estávamos sentenciando à fogueira eterna, ele retornou.
Mas nem percebeu a
hostilidade. Já entrou falando: - Então, como ia dizendo, podíamos
montar várias salas separadas e colocar umas 20 pessoas em cada uma.
É verdade que cada treinador teria de repetir a mesma apresentação
várias vezes, mas... Por que vocês estão me olhando desse jeito?
- Bom, falando em nome do grupo, professor, essa coisa aí de
peripatético, veja bem...
- Certo! Foi daí que me veio a idéia. Jesus se locomovia para fazer
pregações,
como os filósofos também faziam, ao orientar seus discípulos. Mas
Jesus foi o
Mestre dos Mestres; portanto, a sugestão de usar o Sermão da
Montanha foi muito feliz. Teríamos uma bela mensagem moral e o
deslocamento físico... Mas que cara é essa?


Peripatético quer dizer "o que ensina caminhando".
E nós ali, encolhidos de vergonha.
Bastaria um de nós ter tido a humildade de confessar que desconhecia
a palavra, que o resto concordaria e tudo se resolveria com uma
simples ida ao dicionário.



Isto é, para poder ensinar, antes era preciso aprender.
Finalmente, aprendemos duas coisas.

A primeira é:


o fato de todos estarem de acordo não transforma o falso em
verdadeiro.





E a segunda é:


que a sabedoria tende a provocar discórdia, mas a ignorância é
quase sempre unânime.

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