quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

O Menino sem Dores !


Numa família paupérrima do interior de Pernambuco, uma circunstância insólita : o filho mais novo, o menino Pedro, de 12 anos, sofre de um fenômeno físico : não sente dor de qualquer espécie, mesmo que coloque as mãos no fogo, que se corte com uma faca afiada ou caia de “ponta cabeça” (como disse a mãe) de uma altura de três metros. O que tem provocado alguns dissabores. Por não sentir dor, o garoto abusa e vive se ferindo, machuca-se com mais facilidade que os irmãos e está constantemente estropiado.
Apesar de tudo, a família atribui a Deus tal fato e o considera um enviado do Senhor, a ponto de recusar o laudo médico feito no Recife por uma junta médica, que afirma se tratar de uma reação raríssima chamada de “indiferença Congênita à Dor”, que pode levar uma pessoa à neurose absoluta, a um processo depressivo grave em nome da não-reação natural do processo sensório-motor a tudo aquilo que fere e sensibiliza, já que o tecido e a emoção foram atingidos, ainda que não haja manifestação dolorosa. Complicado, não ?

Questiono se o garoto não sente também as dores da alma, o medo, a rejeição, a decepção e a perda. Se essa indiferença congênita atinge também a linha dos afetos e elimina a dor de cotovelo, a fossa, o melancólico dos desencontros na sensibilidade, o baixo astral do egoísmo alheio e a solidão de uma atitute incompreendida. E questiono se seria bom vir ao mundo com essa indiferença que não é imunidade, desde que a dor existe embora não consiga ser sentida.
Mesmo não concordando com os estóicos de que a dor e o sofrimento fazem crescer por considerá-la acachapante, individualista, mesquinha, levando o que sofre a um comportamento aparteado do mundo, flagelador e aceitando apenas que uns poucos inteligentes acabem por tirar algumas lições de vida, no pós-sofrer – quantos indivíduos que vocês conhecem apanham as mais fortes bordoadas e continuam exatamente iguais ? – não gostaria de ser portadora dessa anomalia.
Da mesma forma que o menino Pedro, machucamo-nos muito mais quando não temos a dimensão das conseqüências e é importante ter a noção da espécie humana através de suas atitudes diretamente dirigidas. O alheamento que poderia evitar o lacinante, tiraria a consciência do que a figura humana pode ser numa existência individual, sua importância e valor. Como o outro nos magoa ou encanta e satisfaz.
Temo que a diferença congênita à dor moral pudesse também eliminar o prazer, a grandeza de sentir apoio, a magnificência de perceber o carinho e o delicioso estado de espírito do riso feliz, traduzindo o ato de amor. Como dizia o poeta inglês William Blacke, “alegria e dor tecem trama fina”.
Mas deve ter muita gente invejando o garoto. Aqueles que passam a vida e gastam o tempo lutando contra um possível sofrimento ou
frustração, mesmo que isso custe não amar, não se entregar, viver fugindo dos apegos, desligar-se das referências afetivas
Que sempre nos venha a dor e o pranto se prenunciarem o riso e a alegria. Caso haja necessidade de um oposto na complexidade dos contrários. O que leva a harmonia ao abençoado equilíbrio. Mesmo quando se cai de ponta cabeça como o menino pernambucano.

(Luiz Alca de Sant’Anna)

Um comentário:

  1. Minhas travessuras

    Eu, feito menino
    Vou brincando
    Com minhas artimanhas
    Se querer parar.

    Sou menino rebelde.
    Dou gargalhadas
    De minhas travessuras.
    As vezes deixo pessoas horrorizadas.
    Só faço coisas boas para alegrar os que estão carentes, tristes, necessitando de algo a mais...

    Sou menino travesso
    Que atravesso
    E permaneço no mesmo lado...
    Vou ao outro lado para cometer travessuras.

    Não fico quieto,
    Me inquieto diante tanta arte...
    Contesto.

    Sou o arquiteto
    Que detesto
    A pequenez,
    Por isso sou a própria travessura.
    Poty – 06/02/2010

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