domingo, 17 de outubro de 2010

Felicidade




Por Vicente Cascione

Muito seres são extraviados de si mesmos, afastados de sua essência, separados de seu íntimo, exilados de seu eu.
Não sei se em algum momento da vida pude encontrar-me.
Vislumbro apenas essa imagem projetada no espelho, onde me vejo e não me reconheço.
No entanto, a vaga idéia que tenho de mim também não corresponde às caricaturas esboçadas por alguns, a mostrar-me como um estranho diante de meus olhos, figura feita à imagem de um Deus que não compreendo, ou à semelhança dos diabos que me invadem.
Aos olhos alheios alguém é, apenas, o que parece ser, conforme seus gestos, palavras, lágrimas, olhares e silêncios.
Não sei se no fim da existência restará minha imagem verdadeira como fugaz sobrevivente além das cinzas, fragmentos da natureza onde nada se perde, nada se cria tudo se transforma...
De qualquer modo, não me seriam incômodos os julgamentos, veredictos e definicões remanescentes (que não me poderiam alcançar na longínqua dimensão do Além), salvo se ferissem as criaturas das quais a minha vida - pela simbiose do amor e do sangue - seria somente uma partícula desprendida.
Juízes alheios raramente sabe, de nós. Nem sempre são justos ao apontar pecados que não cometemos e virtudes que nunca tivemos. Mas esses errôneos são até benevolentes em seus julgamentos, afinal, quem é varrido da arena sangrenta da vida já não incomoda mais ninguém.
Voltemos, no entanto, aos desencontros da criatura extraviada de si mesma, que eu falava no início do texto.
Creio que a gente se perde à custa das procuras em  que se empenha para encontrar a própria essência, verdades, mistérios e utopias, a descoberta da razão, o enigma dos sentimentos, os segredos do coração, a expressão de seu espirito, a identidade da alma e o sentido da própria vida.
Por isso, nada mais resume o drama ou a magnitude da existência do que a busca da felicidade.
Quem é capaz de ter a certeza sobre a felicidade de alguém ?
Ela se exterioriza, é visível, tem nítida expressão ? Ou pode ser apenas a falsa aparência de uma amargura que se esconde de uma tristeza oculta, de uma rude infelicidade disfarçada ?
O hedonismo chama a felicidade de prazer. Mas o prazer é quase sempre uma efêmera sensação de bem-estar que nos embriaga, anestesia, entorpece e hipnotiza até o instante de despertarmos num imenso deserto, no enorme vazio da tristeza e da solidão
Onde encontrar a felicidade ?
Na sentença poética de Vicente de Carvalho, talvez haja a dura resposta: " essa felicidade que supomos árvore milagrosa, que sonhamos toda arreada de dourados pomos, existe, sim, mas nós não a alcançamos, porque está sempre apenas onde a pomos, e nunca a pomos onde nós estamos".
O poeta errou ao escrever a palavra nunca, indevidamente.
Podemos, sim, estar sob as ramagens dessa árvore milagrosa até mesmo por quase toda uma vida.
Mas são inevitáveis os momentos em que nos afastamos dela com nossos próprios passos desvairados; ou os instantes em que a árvore é arrancada pelo indomáveis ventos do destino.

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