quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Pela última vez !



Acho que foi o Hemingway quem disse que olhava cada coisa à sua volta como se a visse pela última vez. Pela última ou pela primeira vez? Pela primeira vez foi outro escritor quem disse. Essa ideia de olhar pela última vez tem algo de deprimente. Olhar de despedida, de quem não crê que a vida continua, não admira que o Hemingway tenha acabado como acabou.
Se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver, disse o poeta. Um poeta é só isto: um certo modo de ver. O diabo é que, de tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não-vendo. Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver. Parece fácil, mas não é. O que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade. O campo visual da nossa rotina é como um vazio.
Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta. Se alguém lhe perguntar o que é que você vê no seu caminho, você não sabe. De tanto ver, você não vê. Sei de um profissional que passou 32 anos a fio pelo mesmo hall do prédio do seu escritório. Lá estava sempre, pontualíssimo, o mesmo porteiro. Dava-lhe bom-dia e às vezes lhe passava um recado ou uma correspondência. Um dia o porteiro cometeu a descortesia de falecer.
Como era ele? Sua cara? Sua voz? Como se vestia? Não fazia a mínima ideia. Em 32 anos, nunca o viu. Para ser notado, o porteiro teve que morrer. Se um dia no seu lugar estivesse uma girafa, cumprindo o rito, pode ser também que ninguém desse por sua ausência. O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem. Mas há sempre o que ver. Gente, coisas, bichos. E vemos? Não, não vemos.
Uma criança vê o que o adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que, de fato, ninguém vê. Há pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher, isso existe às pampas. Nossos olhos se gastam no dia-a-dia, opacos. É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença."
(Desconheço a autoria)

3 comentários:

  1. Com certeza muitas coisas se banalizaram com o decorrer do tempo justamente por esse motivo.. não olharmos com a devida atenção o que deveria realmente ser visto.. e com isso o tempo passa.. as oportunidades se vão.. e perdemos muito do que poderia ter sido desfrutado.

    Beijocas em seu coração..
    *verinha*

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  2. È pura verdade, a rotina banaliza o olhar que se gasta numa afoiteza desprezível.Eu, enquanto professora chamava sempre a atenção dos meus alunos p/ o olhar nas coisas e fatos e exigia que: olhassem com olhos de quem Vê!Creio que consegui alguns sucessos na caminhada.
    Abraços atentos,
    Calu

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  3. Mariza
    Como é triste olhar e não enxergar!!
    Tive uma época da vida que fiquei sem carro e comecei a andar de ônibus, lotação...daí comecei a ver o que não via.
    Descobri coisas que desconhecia e a partir daí, mesmo com o carro na garagem, vou pro consultório de condução. Assim, vou observando o que na direção do carro não poderia.
    E te digo, vale a pena.
    Beijinhos

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