Por esses dias, encontrei numa gaveta um papel amarelecido onde se lia: “Todos nós temos três vidas: a pública, a privada e a secreta”. O autor, Gabriel Garcia Márquez, deixava claro esse jogo incessante que acontece entre o que queremos mostrar e o que precisamos esconder. Porque ninguém se expressa da mesma maneira diante de uma platéia e quando está recolhido no silêncio de seu quarto. Somos todos meio esquizofrênicos, professando um modo de viver nem sempre posto em prática quando os freios morais podem ser afrouxados. Se a civilização coloca um cabresto em nossos desejos, não é de estranhar que busquemos alguma válvula de escape. Ou isso ou a loucura, não há outro caminho.Quando nos pensamos como seres públicos, quando sobre nós incide o olhar do outro, sempre há contenção em nossa maneira de agir. É só nos descobrirmos observados e adeus espontaneidade. Atos contínuos viraram exímios atores. Difícil fazer tudo o que se quer ou se acredita sabendo que corremos o risco de desagradar. Um comedimento aqui, outra concessão ali e vamos tocando o barco. Às vezes sem pensar que todo esse represamento resulta em minúsculas feridas psíquicas que possa perfeitamente se transformar numa doença real. Não é só o pâncreas, o coração ou o fígado que padecem. É na cabeça que começa a deterioração. Os mais corajosos vão se virando do seu jeito, deixando alguns rastros de desconforto entre seus pares.É na privacidade, no momento em que passamos a chave na porta de nossa casa que essa sucessão de máscaras costuma ceder lugar à autenticidade. Para o bem e para o mal. O que não se pode dizer lá fora costuma ser despejado sobre os mais próximos. Poupamos os desconhecidos, um pouco menos os amigos e quase nada os maridos, esposas e filhos. “Com eles eu tenho liberdade”, desculpamo-nos, como se a indelicadeza doméstica fosse aceitável num ambiente que imaginamos seja de afeto e intimidade. Muitas vezes a convivência contínua nos leva a grosserias quase inconscientes, enquanto os estranhos são brindados com a nossa gentileza e bons modos.Só que as coisas mais interessantes acontecem secretamente, nessa vida que procuramos esconder dos outros e até de nós mesmos. O que nos proibimos publicamente costuma ser causa de prazer e libertação quando estamos a sós. A solidão nos autoriza a revelar pequenos vícios secretos ou condutas questionáveis, que, em outros momentos, no mínimo causariam estranheza.Das três vidas, a secreta parece ser a melhor. É onde podemos deixar nossas impressões digitais, reconhecer nossa fisionomia e dar adeus a tantos fingimentos.
GILMAR MARCÍLIO
Mariza
ResponderExcluirSaudades!!!
É muito bom nos encontrarmos com nós mesmos.
bjos
Laurinha